Saiba como gerir os danos à imagem e
custos adicionais quando o atraso é inevitável
Os
atrasos na conclusão de obras, cada vez mais frequentes no segmento
residencial, podem desencadear uma série de prejuízos para empresas da
construção civil. Se não há como se proteger de todas as consequências, algumas
medidas corretivas podem ajudar a reduzir os estragos.
Na obra
De
acordo com Roberto de Souza, diretor presidente do CTE (Centro de Tecnologia de
Edificações), as perdas se agravam a cada mês de extensão no cronograma. Quando
os desajustes no prazo começam a dar os primeiros sinais, Souza recomenda a
formação de uma força tarefa com profissionais qualificados para diagnosticar a
origem do problema. "É preciso colocar uma lupa em cada obra. Medidas
generalistas não resolvem", informa o diretor. Identificadas as causas, a
equipe deve montar um plano de ação emergencial que entre no detalhe da
programação da obra, semana a semana. "Pode ser que não se recupere o
atraso, mas se você não fizer nada, um atraso de três meses pode chegar a seis
meses ou um ano", diz.
Segundo
Luiz Fernando Castilho, gerente de orçamentos da Sinco Engenharia, o
replanejamento dos serviços deve ser feito a partir de novos parâmetros de
produtividade, levando em conta a capacidade de fornecimento do mercado.
Castilho levanta a possibilidade de se abrirem novas frentes de trabalho para
executar simultaneamente serviços que não dependam um do outro. "Às vezes
temos contratado mais de um empreiteiro para o mesmo serviço. Se o fornecedor
de gesso, por exemplo, não consegue aumentar a equipe, eu coloco dois empreiteiros,
um em cada frente de trabalho", relata. No entanto, a medida implica
aumento de custos e exige mais mão de obra em um mercado onde esse recurso já é
escasso. "É um exemplo a ser estudado. A solução não é simples e às vezes
você pode até perder dinheiro", adverte.
Outra
medida de contenção é antecipar as contratações com fornecedores e manter um
controle mais rígido sobre todas as etapas construtivas, evitando assim que os
atrasos se proliferem. "Se tenho gesso para daqui a um mês, tenho que
ficar em cima do departamento de suprimentos para saber se já está contratado,
quem é a equipe, se posso mostrar ao empreiteiro quanto ele precisa fazer por
dia", exemplifica Castilho. Mas mesmo com todo o empenho para elevar a
produtividade, o diretor técnico da Tecnisa Fábio Villas Boas afirma que é
difícil conter as perdas financeiras. "O que você pode fazer é atuar ao
longo do processo para diminuir o atraso, mas depois que o atraso ocorreu, você
tem pouca margem para resolver", afirma.
"Quando você está atrasado, acaba pagando hora extra, assumindo
custos maiores para conseguir um insumo mais rápido, acaba tendo mais ônus para
reduzir o atraso."
Relacionamento com o cliente
Se
na área financeira há pouco o que fazer, no relacionamento com o consumidor
alguns cuidados podem até afastar eventuais litígios, evitando perdas ainda
maiores com indenizações aos clientes. De acordo com José Geraldo Tardin,
presidente do Ibedec (Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de
Consumo), o fator que mais agrava a insatisfação do consumidor não é apenas o
atraso, mas, principalmente, o descaso das empresas na comunicação com os
clientes: "A principal reclamação é de que o consumidor não tem qualquer
feedback das empresas. Elas colocam no contrato uma carência de 180 dias e não
justificam esse atraso". (Veja no boxe a discussão sobre a legalidade
desse prazo.)
Entre
os clientes da ABMH (Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação), a
situação é parecida. "As respostas, quando vêm, são genéricas. Temos
clientes que já tiveram a data de entrega prorrogada quatro vezes", conta
Lúcio Delfino, diretor da entidade. "O atraso, para a maioria das pessoas,
é compreensível. O principal problema é a falta de retorno da empresa. Essas
pessoas vão fazer a propaganda o mais negativa possível da construtora."
Ambos recomendam que a construtora explique, com franqueza e antecedência, os
motivos do atraso aos consumidores. Isso evita surpresas desagradáveis na
véspera da entrega, quando o consumidor já se planejou para mudar para a casa
nova. Segundo comenta Fábio Villas Boas, "se você avisar com muita
antecedência que está enfrentando problemas e que provavelmente o prazo será
alongado, apesar de não ficar satisfeito, o cliente tem tempo para se preparar
e, em geral, entende que a empresa foi transparente".
Se a
sua empresa não prevê nos contratos o pagamento de multa aos compradores em
caso de atraso, é recomendável que se ofereça também alguma compensação aos
clientes. Segundo Lúcio Delfino, "sai muito mais barato do que pagar uma
indenização" e, em geral, ajuda a prevenir brigas judiciais. As
associações de mutuários aconselham os clientes a enviarem uma notificação
extrajudicial à empresa antes de apelar para o Judiciário. Não é preciso
esperar a notificação para agir, mas uma vez que a empresa foi notificada, essa
é uma excelente oportunidade para se propor um acordo amigável. José Geraldo
Tardin conta o caso de uma construtora que, após a notificação, ofereceu a
troca do piso de cerâmica por porcelanato, além de melhorias nos banheiros.
"O cliente ficou supersatisfeito e recebeu um imóvel com acabamento melhor
pelo mesmo preço", afirma ele. Outra empresa ofereceu ao cliente o
registro, a escritura e o ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis)
gratuitos - o custo era de R$ 6 mil, segundo Tardin. "Tudo isso, para a
construtora, é mais barato e não causa desgaste à imagem", conclui.
Prazo de carência: é seguro?
Uma
questão que divide opiniões é a adoção do prazo de carência nos contratos de
compra e venda: um período de tolerância que pode se estender a até 180 dias a
partir da data de entrega. Construtores defendem que a carência é indispensável
devido à complexidade do desenvolvimento de uma obra. O advogado Edwin Britto,
membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB-SP (Ordem dos
Advogados do Brasil), justifica: "Pode haver algum problema de fundações,
algum ajuste econômico, atrasos no financiamento. Há uma série de fatores
imprevisíveis inerentes ao próprio empreendimento".
Por
essa lógica, os atrasos começariam a ser contados apenas após o vencimento da
carência. No entanto, as associações de mutuários entendem que essa prática é
abusiva, pois quebra o equilíbrio contratual assegurado pelo Código de Defesa
do Consumidor.
"Se
a construtora tem o direito de atrasar a entrega em 180 dias, o comprador
também deveria ter o direito de atrasar o pagamento das parcelas pelo mesmo
período", argumenta Lúcio Delfino, diretor da ABMH. Há ainda quem alegue
que a carência só pode ser utilizada se justificada com caso fortuito ou de
força maior, como defende José Geraldo Tardin, presidente do Ibedec. De acordo
com os entrevistados, não há lei que regulamente essa questão. Mesmo a
interpretação do Judiciário é divergente. "Alguns juízes entendem que os
seis meses são ilegais. Outros, afirmam que se o cliente assinou o contrato
aceitando a dilatação do prazo, ele não tem o que requerer", relata
Marcelo Segredo, presidente da ONG ABC (Associação Brasileira do Consumidor).
O
fato é que, em um processo judicial, caso a decisão seja favorável ao
consumidor, o construtor pode ter o prazo de carência anulado e, nesse caso,
responderá pelos danos causados desde a data original de entrega. Diante do
imbróglio jurídico, o mais prudente é sempre comunicar o atraso aos clientes
com antecedência, ainda que a empresa não ultrapasse o prazo de carência. Os
entrevistados garantem que muitos consumidores respeitam o que está acordado em
contrato. Tudo o que eles precisam é de uma comunicação mais eficiente.